Blog de História 7 - Escola Martim de Freitas

sexta-feira, outubro 06, 2006

Uma Criança com 3,3 milhões de Anos

Era bípede, mas provavelmente vivia uma boa parte do tempo nas árvores, e o mais certo é que não usasse ainda a linguagem, no sentido da fala humana. Viveu há 3,3 milhões de anos, era possivelmente uma menina e morreu quando tinha apenas três anos. Descoberto há seis anos, o seu esqueleto fossilizado só agora começa a revelar os segredos.
Chamaram-lhe a "criança de Dikita", porque foi nesse local da Etiópia que encontraram os seus restos fossilizados. Era uma "irmã" de Lucy, um Australopithecus afarensis e o seu esqueleto é o mais completo e o melhor preservado de uma criança de hominídeo encontrado até hoje.
Por isso, os antropólogos que fizeram a sua descoberta, perto aliás do local onde foi encontrada a própria Lucy, em 1974, acreditam que o estudo detalhado da "criança de Dikita" vai permitir conhecer novos elementos sobre os hominídeos daquele período. É pelo menos isso que a equipa liderada Zeresenay Alemseged, do Instituto Max Planck para a antropologia evolucionária, escreve na edição desta semana da revista Nature, onde publica um estudo preliminar do achado.
"Os ossos do pé e outros elementos dos membros inferiores correspondem claramente a uma locomoção bípede, enquanto a omoplata se assemelha à de um gorila e as falanges das mãos longas e encurvadas, típicas dos grandes símios trepadores, levantam novas questões sobre a importância do comportamento arborícola no repertório da locomoção do Australopithecus afarensis", escrevem os autores na Nature.
Outra novidade trazida por esta menina com 3,3 milhões de anos é o osso hióide, que existe na garganta, e que nos seres humanos actuais desempenha um papel na fala. Até agora, só uma outra vez se tinha encontrado um osso deste tipo (de um Neanderthal). A forma desse osso na "criança de Dikita" assemelha-se à do osso correspondente nos macacos, o que sugere que o Australopithecus afarensis ainda não tinha desenvolvido a fala.
O estudo paleontológico do local onde foi descoberta a "irmã" de Lucy (que era duas centenas de milhares de anos mais nova do que aquela) permitiu perceber que ela viveu numa savana arborizada, com deltas e pequenos rios.
"Uma cheia provocou o transporte e enterro do corpo, evitando que fosse devorado por abutres", comentou o francês Denis Geraads, co-autor do estudo. Muito frágeis, os restos de jovens hominídeos raramente se fossilizam. Até agora, as ossadas mais antigas de dimensão comparável provinham de um Neanderthal com menos de 10 mil anos.
Parte do esqueleto de Dikita ainda está envolto em sedimentos. Os cientistas pensam que a sua limpeza e estudo detalhado vai levar alguns anos, mas garantem que ele trará novos conhecimentos sobre o crescimento dos Australopithecus.

Filomena Neves
Diário de Notícias, 22 Setembro 2006
Interessante, não é?